do lugar dos outros
quinta-feira, 24 de abril de 2008
domingo, 20 de abril de 2008
MULHERES AMALDIÇOADAS
Como gado pensativo sobre a areia deitadas
Dirigem o olhar para o horizonte dos mares
Seus pés se procuram, suas mãos se aproximam
Doces langores as percorrem e calafrios amargos
Umas amam as longas confidências do coração
No fundo dos bosques onde marulham os rios
Vão desfolhando o amor das infâncias receosas
Entalham a carnação verde dos arbustos jovens
Outras, como irmãs, caminham lentas e graves
Entre rochedos repletos de aparições
Onde Santo Antão viu surgir como lavas
Os seios nus e purpúreos das suas tentações
Outras há que no côncavo mundo dos velhos antros
Pagãos iluminados por resinas que se liquificam
Te chamam para que acalmes suas febres uivantes,
Ó Baco, mestre bálsamo dos remorsos primitivos.
Outras unem a espuma dos prazeres à dor das lágrimas,
Nos bosques sombrios e nas noites solstícias,
Trazem vergastas escondidas sob as longas vestes
Ostentam no peito as insígnias dos seus suplícios
Virgens, demónios, monstros e mártires – dizem.
Sois, de facto, o desprezo forte da realidade visível,
Procurais o infinito, devotas e sátiros,
ora no meio do choro, ora no meio dos gritos
Vós que no vosso inferno minh´alma seguiu,
Pobres irmãs, amo-vos tanto como vos lamento,
Tendes dores sem excesso, uma sede insaciável
E corações repletos de um amor intenso
As Flores do Mal – Charles Baudelaire
sexta-feira, 18 de abril de 2008
“ Saio deste livro de Rita Cerdeiros com a sensação de que estes nomes cruzados e estes episódios em tessitura mantêm uma dolorosa e sensível relação com a vida. Com a vida de todos nós. Quem lê e quem ama o que lê tem sempre a tineta de procurar referências de autores, de estabelecer paralelismos comparativos entre este e aquele. Em Rita Cerdeiros, neste livro de Rita Cerdeiros, estão, subjacentes, um conhecimento cultural e uma sabedoria das coisas que têm de advir, necessariamente, de encontros e correspondências com a dor e com o júbilo. Todas as personagens de “As Hortênsias Brancas e as Bicicletas” relevam de contradições por vezes dilacerantes, mas, sem excepção, há nelas uma nota comum: a procura da felicidade.
Com extremo pudor, Rita Cerdeiros não declama essa procura: sugere-a; no-lo diz que a condição humana tem como objectivo ser feliz e que o seu trajecto é a história infindável, e nunca cumprida, desse desejo.
O eu permanentemente exposto neste belíssimo romance não constitui um mero estratagema literário; é, ceio, a possibilidade oferecida de o texto não tombar num fácil sentimentalismo derrotista. Será um livro triste? Talvez. E nesse registo está, eventualmente, a sua componente mais importante. Melhor do que ninguém disse-o, num verso admirável, Carlos de Oliveira: “A tristeza é o vinho da vingança.” Rita Cerdeiros não opõe, umas contra as outras, as personagens e os sentimentos que de elas evolam e evoluem. O texto fala, mansamente, discretamente, em surdina, nas razões poderosas do coração, nas tremendas variações de sentido, num universo de imagens forçosamente indiciário de certos extractos sociais.
Gosto muito deste livro. Pelos motivos aduzidos e, também, porque segue o princípio estético que recusa a arte como instrumento de piedade ou de clemência. Porque recusa a arte, neste caso a literatura, como um objecto útil com objectivos de utilidade. São retratos interiores, distorcidos e erectos, claros e opacos, que funcionam como medianeiros de um particular sentido concreto.
Depois, “As Hortênsias Brancas e as Bicicletas” tratam o leitor como adulto lúcido e sensível. Quero dizer: fornece ao leitor a ampla possibilidade de, ele próprio, reconstruir o texto. Porque cada leitor e todos os leitores estão nos livros. Nos livros de qualidade, como é o caso.”
Baptista-Bastos
Com extremo pudor, Rita Cerdeiros não declama essa procura: sugere-a; no-lo diz que a condição humana tem como objectivo ser feliz e que o seu trajecto é a história infindável, e nunca cumprida, desse desejo.
O eu permanentemente exposto neste belíssimo romance não constitui um mero estratagema literário; é, ceio, a possibilidade oferecida de o texto não tombar num fácil sentimentalismo derrotista. Será um livro triste? Talvez. E nesse registo está, eventualmente, a sua componente mais importante. Melhor do que ninguém disse-o, num verso admirável, Carlos de Oliveira: “A tristeza é o vinho da vingança.” Rita Cerdeiros não opõe, umas contra as outras, as personagens e os sentimentos que de elas evolam e evoluem. O texto fala, mansamente, discretamente, em surdina, nas razões poderosas do coração, nas tremendas variações de sentido, num universo de imagens forçosamente indiciário de certos extractos sociais.
Gosto muito deste livro. Pelos motivos aduzidos e, também, porque segue o princípio estético que recusa a arte como instrumento de piedade ou de clemência. Porque recusa a arte, neste caso a literatura, como um objecto útil com objectivos de utilidade. São retratos interiores, distorcidos e erectos, claros e opacos, que funcionam como medianeiros de um particular sentido concreto.
Depois, “As Hortênsias Brancas e as Bicicletas” tratam o leitor como adulto lúcido e sensível. Quero dizer: fornece ao leitor a ampla possibilidade de, ele próprio, reconstruir o texto. Porque cada leitor e todos os leitores estão nos livros. Nos livros de qualidade, como é o caso.”
Baptista-Bastos
As Hortênsias Brancas e as Bicicletas - Rita Cerdeiros
segunda-feira, 14 de abril de 2008
O amor eterno
É quando a morte salta de dentro da árvore,
como o pássaro inesperado da noite, que recordas
o que viveste. Não te prendas à respiração.
ao contar do pulso, às pequenas matemáticas de que
o tempo de homem depende. A memória que deixares
está para além dele; e algo de ti permanecerá,
mesmo que o não saibas, nalgum canto secreto,
no riso ou no choro de quem te lembrar.
Ao teu lado, enquanto as raízes da árvore
tomam conta do teu peito, todas as sombras
se juntam. No entanto, é com essa que te amou,
ou com o riso límpido que te inundava os
ouvidos, com a primeira luz de uma antiga
manhã, que podes vencer a noite. Mesmo
que os teus olhos se fechem, ou que uma
súbita brancura se apodere da tua alma.
Ela seguir-te-á no corredor de areia onde
as últimas gaivotas esperam a maré; e
diz-te: «porque perdeste a tua vida? A
que inúteis deveres cedeste a felicidade? Por
que não me seguiste, até ao leito do rio
onde os amantes se juntam?» a ausência das
suas mãos desce pelo teu corpo, nesse
último instante, como um áspero vento.
Cartografia de Emoções - Nuno Júdice
quarta-feira, 9 de abril de 2008
Estou dentro de paredes brancas.
Quatro paredes: a minha cela,
O frio, a solidão e o meu catre.
A luz entra sempre de noite.
Não tinha nada donde vim. Aqui não encontrei
O que tive e a cadeira não serve o meu repouso.
Ainda não há lugar no mundo onde possa sossegar de tu não seres
O vazio que persiste à minha beira.
Tenho um pequeno sonho de uma janela para abrir:
E que paisagem não seria estar feliz!
Explicação das Árvores e de Outros Animais - Daniel Faria
sábado, 5 de abril de 2008
Qual é o preço do afecto e com que moeda devemos pagá-lo? O que é mais duro, uma carícia ou termos de nos esvaziar para a conseguir? Ao longo do tempo, acabamos inevitavelmente por descobrir que algumas moedas pesam muito mais do que o que nos deram em troca delas. Perder na troca e habituar-se a essa perda é a lição que Martina Iranco, a protagonista deste romance, aprende desde a infância.
(…)
Uma mulher nua fala da nossa urgência vital para conseguir o afecto, de como aprendemos a conquistá-lo e de como nos podemos perder à sua procura; fala da pele como lugar onde se escreve o próprio desenraizamento, de nos apercebermos de que, afinal, brincar às escondidas é uma forma de viver com as mãos vazias.
(…)
Uma Mulher Nua – Lola Beccaria
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