do lugar dos outros

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sexta-feira, 6 de novembro de 2009



“Diz-me se te dói”


A percepção do que é necessário é um sinal de concessão às razões ordinárias que orientam a vida, que hoje não é mais que uma frenética escalada estética, tendendo à disseminação total de um sentimento de vulgaridade.
A assimilação exacerbada é de tal forma promovida que só conduz a um estado geral de apatia ignorante em detrimento da dúvida na sua natureza de incondicional. Trata-se do aproveitamento de uma sensibilidade extra levado ao extremo, aniquilando toda a hipótese de poder concretizar, por bloqueio face ao desvio do institucionalmente instituído.
A Dor pode ser aceitação, mas também é negação provocada, e ignorante, insensível por excesso.

“Diz-me se te dói” o corpo de escorregares na ladeira do tempo, se o lombo arde da procura constante, se te se rasga o nervo da pergunta. Tudo o que te poderei fazer é expor-te mais um ponto curvo na distância abrupta.
Colher palavras na estação quente não é um desporto, carregar a interrogação como ferramenta do sangue não cria músculos de mostrar. Se dói – e dói sempre mais – no escuro da incógnita, observa e aprende. Transporta e ergue-te na Vida que vai fugindo e pela qual perguntas.
A Dor não se suporta, fere-se no átrio do poema para que caia morta. Dela escorrerá a tua máscara e o calor do Outro, ultrapassada a pena e a comoção, armando-se a voz com a compaixão da força. Nasce todos de uma só vez e inspira. Não fujas à Dor, combate-a. Como se combatesses uma ferida na escrita que te faz doer. Porque nenhuma palavra é possível se a dor não abrir o teu pensamento ao que está a ser escrito. Sabes que o tempo se consome à temperatura da tua própria memória. Um tempo tecnológico que controla a acção criativa e a condiciona segundo as regras dos limites. Uma história indesejável, um poema distorcido por excesso de aquecimento mental, como se te queimasses na barra incandescente do tempo que demoras a pensar.
Escrever é uma cabeça enfiada num buraco. O que tu sentes é a pressão tóxica que te transporta de palavra em palavra num sufoco infernal que significa toda a escrita. Tento entrar nesse forno da tua imaginação. Esse espaço contemplativo que não suporta outra presença que não seja o teu próprio volume de inspiração. Em todo o caso a dor é uma inutilidade quando a estrutura do escrito não evoca nenhuma forma de segurança criativa.
Por outro lado, a escrita é um falhanço em todos os sentidos quando a dor não passa de uma dissimulação que procura no acto de escrever uma forma de utilidade. No entanto, escrever é ocultar metade do que se escreve. Ou ainda: que metade do teu corpo é a escrita que o teu corpo não escreve?

Sulscrito
Julho de 2008
Revista de literatrura

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