do lugar dos outros

do lugar dos outros

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

«As pessoas nem poderiam calcular que dor era aquela. Às vezes, ah, quão perto lhe parecia estar do alvo. Quão perto do instante do combate. E então, curiosamente, sentia-se, ou julgava sentir-se, como os pugilistas. Era assim: os dedos das mãos pediam exercício, pediam uso, até pediam violência. E punha-se a esticá-los e a flecti-los, ou a bater com a mão fechada na concavidade da outra mão, como se estivesse nas vésperas de subir ao ring para uma disputa decisiva, contra um último e impiedoso adversário. Corria à mesa de trabalho, afastava os papéis intrusos – perante si apenas a tal dúzia de folhas impecáveis que queriam ser violadas. Vamos a isto, André. Insiste, André. Chora de raiva, se for preciso. Escreve uma vez, outra, mais outra, emenda, rasga, destrói, recomeça – não te deixes vencer. Isto é um combate, André, o teu combate. Sobe ao ring para te medires com o mais duro dos adversários – tu próprio, desencantado e incrédulo.»

O Rio Triste, de Fernando Namora

1 comentário:

pin gente disse...

não li... desconheço o porquê do rio ser triste... mas gosto de fernando namora e gostei de o ler aqui.

beijo
luísa