do lugar dos outros

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sábado, 16 de fevereiro de 2008

A MULHER QUE CRIOU A TERRA
(Mito da Criação)

No início não existia terra para se viver, mas lá em cima, no grande azul, habitava uma mulher sonhadora. Uma noite sonhou com uma árvore coberta de rebentos brancos, que iluminava o céu quando as suas flores se abriam, mas que trazia uma terrível escuridão quando elas se voltavam a fechar. O sonho assustou-a, de modo que foi ter com os sábios homens velhos que viviam com ela, na sua aldeia no céu, e contou-lhes.
«Puxem esta árvore mais para cima», implorou-lhes, mas eles não entendiam. Tudo o que faziam era escavar à volta das raízes, tentando arranjar espaço para haver mais luz. Então a árvore caiu no buraco que eles fizeram e desapareceu. Depois disso, deixou de haver luz, apenas escuridão.
Os homens velhos começaram a ter medo das mulheres e dos seus sonhos. Era dela a culpa da luz se ter ido para sempre.
Então puxaram-na até ao buraco e empurraram-na. Sentiu-se a cair, para o fundo, em direcção ao grande vazio. Debaixo dela não existia nada para além de uma terrível quantidade de água. Esta estranha mulher sonhadora do grande azul, certamente teria ficado desfeita em mil bocados, não fosse um peixe-águia que veio em seu socorro. As suas penas formaram uma almofada que permitiu à mulher uma aterragem suave por cima das ondas.
Entretanto, o peixe-águia não conseguia sozinho mantê-la. Ele precisava de ajuda. Chamou pelas criaturas das profundidades. «Temos que encontrar alguma coisa sólida onde esta mulher possa descansar», disse ansiosamente. Só que não existia nenhum pedaço sólido, apenas as águas tormentosas e sem fim.
Um mergulhão desceu na água, para baixo, até ao fundo do mar e trouxe de lá um pouco de lama no seu bico. Encontrou uma tartaruga, espalhou a lama no seu casco e mergulhou outra vez para trazer mais lama.
Então os patos juntaram-se-lhe. Eles gostavam de se sujar com lama e portanto ajudaram a trazer mais alguma nos seu bicos, espalhando-a por cima da tartaruga. Os castores também ajudaram – eles eram grandes construtores – e trabalharam muito, tornando a carapaça da tartaruga cada vez maior.
Agora toda a gente estava muito ocupada e entusiasmada. Este mundo que eles estavam a construir começava a ficar enorme! Os pássaros e os animais apressavam-se, construindo países, continentes, até que por fim tinham construído toda a terra. Durante todo esse tempo, a mulher do céu esteve sempre calmamente sentada nas costas da tartaruga.
Ela ainda aguenta a terra até hoje.


ROSA DO MUNDO – 2001 Poemas para o futuro


2 comentários:

náufrago do tempo e lugar disse...

Esta obra, levada a efeito no âmbito do evento “Porto, capital europeia da cultura, 2001”, lembra-me uma outra, intitulada “O Fulgor da Língua”, integrada no programa de “Coimbra capital europeia da cultura - 2003” .
Eis o começo de "O Fulgor da Língua", o maior poema colectivo em língua portuguesa, escrito através da Internet:


"Ouve

o mundo há-de ser sempre o mundo porque é o mundo
o mundo não é real o homem não está no mundo
o homem é o mundo quando é um grão de terra ou o filho do mar
só ao longe se pode ver a solidão do homem na sua nudez sem lâmpada
o nada unifica o todo e o homem atraiçoa o silêncio

o homem caminha por uma canção de fogo
vindo das profundezas de uma semente do espaço
onde e quando as palavras são do mundo?
o homem é atraído para a terra
como um grão do sonho
só a morte torna possível a imortalidade do homem

e já de brandas heras enlevado
acalma a sua sede noutra sede oásis de presença mar de grão
nos aromas dos juncos do feno e das ribeiras da sua infância
o vazio enlaça

na memória mais antiga em direcção a dante
também os oceanos atravessam o inferno
o mundo faz-se contra o tempo e escurece a espuma que rebenta
no corpo fechado dos mortos uma lâmina
continua o mundo aguado e leva aos ombros o horizonte
as artérias dos montes mulheres roseiras ardentes
livros de sangue no centro
pois todas as coisas estiveram juntas ao princípio e em repouso

(…)"





Os seis primeiros versos são da autoria de António Ramos Rosa. Os restantes 6 896 são da lavra de 257 participantes, entre os quais tenho a honra de me incluir. :)


Boa-noite.

maria josé quintela disse...

tomei nota.

.

obrigada, peregrino.