do lugar dos outros

do lugar dos outros

sexta-feira, 21 de novembro de 2008



ANÚNCIO

A expectativa de me fugir um breve instante de respiração. Surpreender-me num ritmo acelerado de corrida de bicicletas perante um coração fraco. Varrer-me o vento na sua simplicidade de falta de palavras. A expectativa desse mesmo instante. O deserto quase-azul escuro dos teus olhos semicerrados. Essa estrada que me espera durante as próximas horas de existência com as canções de um cristalino zumbir de abelhas ao vento. A crina de um incidente. A tua presença absoluta num espaço contíguo. A saída de emergência de uma distância inesgotada diante de uma pedra esculpida com a precisão de segundos de erosão, imensamente terna e dolorosa. O equilíbrio de um corpo numa mente à beira da loucura de ti. Saber os teus dois nomes com a destreza de uma agulha a ferir um braço gentil. O poema, o último de todos, dentro desse sangue adocicado de tardes de Abril. O reencontro dos teus lábios de pássaros verdes. E estas imagens, sobre, sob a retina de um quotidiano laboriosamente impensado sobre a tua ausência presente ou um carrossel de pó a anunciar a nossa chegada.


MANUAL DE COMO DESCALÇAR SABRINAS A MENINAS

Quando descalçares sabrinas terá de ser com procedimentos cinderélicos. Terás de amar os pés, mesmo que partidos ao meio, na destruição dramática dos seus vinte e seis ossos. Todos os pés de vento. Toda a sua minuciosa anatomia de quem quer andar como quem canta. Prever o mais breve e inútil movimento no sistema esquelético. Encontrar-lhe os lírios nas sequelas dos músculos. Dar-lhes corda. Pô-los a tocar sob ameaça de tempestade. Sentar-te na margem dos rios sinoviais e atirar-lhes pedras. Pô-los a pensar sobre os caminhos – dar-lhes caminhos. Encontrar-lhes as faces e beijá-las nas suas destrezas. Retirar com cuidado e deixar pousar o pé sobre o chão.


Ana Salomé - Anáfora

7 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

puxa.....como é belo....:)

obrigada....flor...não conhecia...


:(((

_______________


bom dia de sol....sim.


(a culpa de íris, imagina é da tua especialíssima TCHI...)


. beijo.te. sim!

(neta de olhos tímidos) :)


e saio.

Anónimo disse...

nem tu sabes o quanto a TCHI é especialíssima!!! nem eu sei também!


pudera... não existe!


obrigada (muito) pelas tuas palavras lá


na latitude das avós especiais...


aquelas que se adiantam a um tempo que não é o seu... como é o caso.



rebeijo.te... irís!



mjq

Anónimo disse...

:))))))))))))))).




obrigada.


í.

tchi disse...

Especialíssima?


Eu nem existo no mato.


Divirtam-se e façam o favor de ser felizes, com tudo e com pouco.


Abraço selvagem para cada uma.


P.S.: Selvagem com afabilidade.

tchi disse...

Estive na sessão de lançamento desta "Anáfora".

Já lá vai mais de um ano.

Fiquei bem impressionada com o talento da jovem autora.

É um talento que, a continuar, promete.

tchi disse...

"Odes" é a mais recente obra poética de Ana Salomé, lançada no passado sábado, dia 22 de Novembro, no Gato Vadio, no Porto.

Deixo-te aqui um dos poemas contidos na obra:

Ode preclara

entre o primeiro dos poemas e os seguintes
há uma luz caminhante
que vem lá de onde o mar é feito de águas nascentes
e onde o olhar é sempre o primeiro sobre as coisas
num rodopio íntimo.
entras no primeiro dos poemas
com uma passarola que navega na rebentação
e é solene o momento em que me deito na praia
descalçando as sandálias.
abro um livro de poemas antigos para tu os dizeres
todos feitos de vinho e de sal.
no primeiro dos poemas o sol é aberto
e o céu desdobra-se em esforços para encontrar
aquele azul que vive no recôndito destino das chaves
ou até no susto do peixe no bico da gaivota.
o sol indicia a tua passagem por todos os grãos de areia
as minhas axilas chegam mesmo a brilhar.
há um descanso profundo em toda a natureza
das rochas das conchas dos búzios
por lhes bastar terem o lugar certo para existirem
e saberem que são a sua respiração.
depois de entrares no primeiro dos poemas
e de caminhares até à minha sombra espúmea
é difícil distinguir o sabor da felicidade daquele mar
é fácil deixar-me sentada na toalha de xadrez
a fumar um cigarro com a tua mão.
as tuas mãos que se estreitam nos dedos
os dedos que se estreitam para entrarem
nas coisas delicadas e sombrias das coisas
por exemplo na maçã pelo caroço pela árvore
pela fonte que uma árvore pode ser
quando plantada no naufrágio do mar
todo de vinho e sal corpóreos
como o horizonte vertical
no nosso único coração.

Ana Salomé


Beijinhos.

ana salomé disse...

Maria José Quintela, obrigada. Não conhece este seu espaço que é fabuloso. *

um beijinho grande.