do lugar dos outros

do lugar dos outros

segunda-feira, 13 de julho de 2009



PEDRAS

Da mesma raça, satânica, poderosa
família, os nossos
olhos; diria seres com a beleza e a crueldade das pedras
e das cobras; a impotência e a sorte
de se voltarem
para a arte com uma lucidez
desesperada.
Seres inquietos e divididos; conturbados, e por isso mesmo capazes
de sobreviver à mais venenosa
orfandade; uma vez o nosso parentesco foi sempre
mais que anunciado.
Que ele te não afaste da «inefável falta que sobe dos filhos
aos pais», pois, e em verdade, em verdade, somos
cobras: idênticos,
iguais.
Em silêncio, no bater do coração, ouso implorar-te:
Escuta, uma cobra é uma cobra uma cobra
uma cobra
e deve ser esmagada antes que o veneno
nos incuta.
«Não me mordas», pedes.
Vem, de onde, esse temor? Do não quereres tomar conta
do menino que fugiu da «tormenta
nocturna que se fazia negrume diante dos seus
olhos?»
Sossega. Não tos fecharei. Não te morrerei.
Não te morderei.
Se for capaz.
De amar-te. Como o fazes e na rebeldia
dos mais sinceros e transparentes
sinais.

Cobras. Somos cobras.
Somos olhos: Poetas. Nada
mais.

Eduarda Chiote – O Meu Lugar à Mesa

(prémio Teixeira de Pascoaes 2006)

.

3 comentários:

Anónimo disse...

:) minha amiga....:)


ke bom vê-la aqui.




oh Z. obrigada.


beijOs.




.piano.

Unknown disse...

confesso q não morria de amores pela poesia da Eduarda, lá nos idos 70...

mas este poema... "chapeau"...

gostei.

obrigada, zé.

Anónimo disse...

Os poetas são todos os olhos sem veneno mas que vêem o veneno.