do lugar dos outros

do lugar dos outros

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Num bar, um homem mata uma mulher. Mas este gesto só existe pelo fascínio que exerce noutro homem e noutra mulher que nem sequer testemunharam directamente e cujo significado não alcançam senão talvez inventando-o através da estranha embriaguez que a partir de então se apodera deles. Arrancados por aquele grito de agonia à ordem quotidiana, a essa vida «tranquila» onde já não há lugar para a esperança, o homem e a mulher encontram-se dia após dia no bar onde tudo se passou. Falam, imaginam que essa mulher quis ser morta pelo homem que amava, e o sentimento que nasce entre eles reencontra, assume esse desejo. Talvez venham a reviver a mesma história de morte e amor. Talvez… mas nem mesmo o romancista tem a certeza. Quem pode dar um nome ao que se passou entre esses desconhecidos, ao que se passa agora entre Anne Desbaresdes e Chauvin? Quem pode saber a forma que o destino dará a essa cumplicidade indecifrável? Talvez nem tenham outra história do que a de ter, por um instante, trocado essas palavras, posto as mãos uma sobre a outra, encostado as suas bocas uma única vez. Tudo está suspenso na expectativa de um acontecimento que não chega, de um acontecimento inimaginável. Tudo se verga ao peso de uma paixão que não sai de si própria, que não sabe sequer o seu nome.

Gaetan Picon (Mercure de France)

Moderato Cantabile – Marguerite Duras

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