do lugar dos outros

do lugar dos outros

sábado, 31 de maio de 2008

Um lugar não é apenas um vestígio de uma antiga sombra
que caiu no nosso olhar. O que agora se vê, se esquece, e longe
fica, atinge a margem mais secreta, é uma metamorfose extrema, dissipante
do tempo e da penumbra, límpido refúgio a que se assoma insuspeito e perdido.

É então que a noite vem como um destino

as mãos cansadas estremecem.


Máquina de Relâmpagos – Jorge Velhote

quarta-feira, 28 de maio de 2008

(…)
Quando eu te via vir ao longe, a serra até tremia. Os calhaus fugiam-me à frente dos pés com as minhas corridas, rebolavam que era uma graça, e as silvas nem me tocavam. Se era tarde, eu nem dava pelo sol se pôr. Eras tu que me alumiavas. Tu andavas depressa, mas eu ainda achava que era devagar. Aparecias aqui, sumias-te ali, e de repente dávamos cara com cara.
Tu tão alto, eu tão baixinha! Às vezes ficávamos só a olhar um para o outro. E eu virava a cara. As mulheres sentem tanto, tanto! Quando elas viram a cara é quando têm mais que dizer.

(…)

Solidão - Irene Lisboa

domingo, 25 de maio de 2008

(…)

É claro que podia não acontecer. Uma coisa, logo que conhecida, jamais poderá ser desconhecida. Apenas poderá ser esquecida. E, na medida em que domina o tempo, enquanto puder ser lembrada, indicará o futuro. Compreendo agora que embora fique sentada no meu quarto, a envelhecer, muito tristemente, sozinha, tenho que viver com esse conhecimento. O telefone pode tocar, esta noite, ou amanhã: já não importa.

(…)

Olhem para mim – Anita Brookner

terça-feira, 13 de maio de 2008

Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.


O Encantador de Palavras – Manoel de Barros

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Num bar, um homem mata uma mulher. Mas este gesto só existe pelo fascínio que exerce noutro homem e noutra mulher que nem sequer testemunharam directamente e cujo significado não alcançam senão talvez inventando-o através da estranha embriaguez que a partir de então se apodera deles. Arrancados por aquele grito de agonia à ordem quotidiana, a essa vida «tranquila» onde já não há lugar para a esperança, o homem e a mulher encontram-se dia após dia no bar onde tudo se passou. Falam, imaginam que essa mulher quis ser morta pelo homem que amava, e o sentimento que nasce entre eles reencontra, assume esse desejo. Talvez venham a reviver a mesma história de morte e amor. Talvez… mas nem mesmo o romancista tem a certeza. Quem pode dar um nome ao que se passou entre esses desconhecidos, ao que se passa agora entre Anne Desbaresdes e Chauvin? Quem pode saber a forma que o destino dará a essa cumplicidade indecifrável? Talvez nem tenham outra história do que a de ter, por um instante, trocado essas palavras, posto as mãos uma sobre a outra, encostado as suas bocas uma única vez. Tudo está suspenso na expectativa de um acontecimento que não chega, de um acontecimento inimaginável. Tudo se verga ao peso de uma paixão que não sai de si própria, que não sabe sequer o seu nome.

Gaetan Picon (Mercure de France)

Moderato Cantabile – Marguerite Duras

domingo, 4 de maio de 2008


Y.K.CENTENO
(Portugal, 1940)

O que fazem as mães?
abrem caminho
mas abrem caminho
cegamente
não conhecem o túnel
o destino
a sombra que as enreda
mais à frente

Perto da Terra, Presença, Lisboa, 1974

quinta-feira, 1 de maio de 2008





















(…)

Mas a vida é assim…
Esta tristeza no mundo, este tédio e esta infelicidade podem mudar se as pessoas souberem que estão a pedir o impossível.
Não peça o impossível
Descubra a lei da existência e siga-a.

(…)

Este mundo é só uma peregrinação – de grande significado, mas não é um sítio para se pertencer, não é um sítio para se fazer parte. Seja como uma folha de lótus.

(…)

Uma pessoa que sabe estar só nunca está isolada. Só as pessoas que não sabem estar sós é que se sentem isoladas.

(…)

Amor, Liberdade e Solidão - OSHO